18 julho 2009

A casa

Era ali... Era ali que tinha vivido toda a minha vida. Com excepção dos três últimos anos. Não entrava ali há muito tempo... Tinha lá voltado algumas vezes, para buscar algumas coisa. Umas, para mim. Outras, para dar a alguém. Era melhor que ficar ali tudo a estragar-se, sem dono. As coisas são minhas, pertencem-me, mas não as podia levar as todas. Não tinha sítio onde as por. Levei apenas o que podia e o que mais faria falta, e depois não voltei lá mais. Eram demasiadas recordações, um sentimento demasiado forte, demasiado... vivo. Era ali que eu tinha crescido. Tantas vezes corri por aquele jardim, por aqueles caminhos mágicos. Aquela casa, cada divisão tinha um significado único, de momentos passados em família, ou mesmo com os amigos. E agora restava, apenas... um grande... vazio... Como um sopro, mas... vazio... Não me quis inundar de boas recordações, e momentos passados que jamais serão presente. Não queria viver no passado. Cheguei a querer, mas tinhas de seguir em frente. Esquecer? Nem pensar... Não podia. Mas tinha de olhar em frente, isso sim. Viver o presente e não o passado. Talvez fosse por isso que receava lá voltar.
Mas um dia, quando conversava com ele, quando lhe contava das saudades que sentia de tudo e de todos, saudades da minha vida, quando lhe falava da minha casa, decidi perguntar-lhe se lá queria ir. Fomos, na semana seguinte. Ele parou o carro ao portão, e abrimos as portas devagar. Procurei a chave por entre as tralhas que tinha na mala. Entrámos para dentro dos portões, e olhei em volta. Estava tudo tão abandonado, tudo tão triste... O jardim estava cheio de ervas, a relva enorme, por cortar... Os caminhos estavam quase irreconhecíveis... Mas foi em direcção à porta de casa que me dirigi primeiro. Ele seguiu-me. Esperei uns momentos, e então estendi a chave para a fazer entrar na fechadura.
- Não consigo. Abre tu... - disse-lhe eu.
Foi como se uma faca se tivesse espetado no coração, naquele momento em que estendi o braço. Era uma dor dilacerante. Ele pegou no molho de chaves, e enfiou a correcta na fechadura. Fê-la rodar, e a porta abriu... Ele entro, devagar. Eu entrei a seguir, mais devagar ainda. Olhei em volta... Estava tudo no mesmo sítio. Como se fosse uma fotografia tirada três anos antes. Estava tudo no lugar, como se ainda ali habitasse alguém. É claro que tinha pó, muito pó. E teias de aranha. Afinal tinham passado três anos. Mas não fosse isso e estaria tudo impecável. Fui avançando devagar, atrás dele... Mas era tão grande a dor, tão grande... tão... forte! Já não conseguia conter as lágrimas. Escorriam-me agora pelo rosto. Era ali... era a minha casa. A minha casa! Era ali que tinha passado a maior parte da minha vida. A minha casa, assim... A cada passo que dava a dor tornava-se mais forte, dilacerante. As lágrimas eram tantas que me tornavam a visão turva e enevoada. Não aguentava mais, não conseguia. Não, não podia ser... Tantas memórias, tantas recordações... E agora eram apenas isso!... Via o meu pai, sentado no sofá, quase a adormecer, enquanto a minha mãe, na cozinha, acabava de preparar o almoço. Chamava a minha irmã, que estava no quarto, e ela vinha por o pão na mesa, que se tinha esquecido... E eu vinha depois. Pegava num bocado de pão e começava a comer, porque já tinha fome. Não, não conseguia avançar mais. Estava tudo tão vivo, ali... à distancia de um toque. Um toque impossível... Um toque que não podia acontecer.
Não aguentei mais. Caí de joelhos, no chão. Comecei a soluçar com todas as forças. Era tão grande a dor que nem conseguia pensar. Não podia ser... A minha casa, a minha família... Como era possível que tudo se tivesse perdido? Que tudo fossem agora apenas recordações? Ele voltou-se para trás e dirigiu-se a mim. Pôs-se também de joelhos e, por fim, abraçou-me. Abraçou-me com todas as forças.
- Shhhhhh, estou aqui...
Tentei olhar para ele, mas a dor, e as lágrimas, impediam-me de ver. Ele continuou a abraçar-me... E eu continuava a soluçar. Ficámos ali, os dois, por momentos. A pouco e pouco fui-me acalmando. Ele limpou-me as lágrimas, olhou para mim e sorriu levemente. E, mais uma vez, repetiu: "eu estou aqui".

3 comentários:

  1. Por vezes é difícil muito difícil encarar que o passado não passa disso e não chega a presente...
    Mas foste forte...
    Gostei de ler, está muito bem escrito tal como todos estes posts...

    bj*

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  2. Gostei muito de ler, o texto está muito emotivo..

    Beijinhos , continua assim :)

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  3. tu escreves muito bem!!!adoro ler o que se passa por aki:P beijinho

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